39 mais uns... O Môfo da existência!

Hoje era mais um daqueles dias em que acordei ensonada e de mau-humor. Lá vou em rebanhada para o combóio. Sento-me (milagre) e preparo-me para fazer a viagem a ler. Sem barulho.
Mas havia aquela mulher do lado oposto que tossia sem parar, daquela tosse cheia de gosma que incomoda e nos faz pensar" ok, vou apanhar uma bronquite!". Conseguir ler era escusado, porque ela tinha arranques de fazer escarrar o pulmão. Eu ainda tento um mau-olhado do género "ó vizinha, controle-se!". Mas a gaita da mulher lá continuava a sinfonia. Eu fecho o livro incomodada por já não conseguir ler. Entretenho-me a observar a matrona que tossia, a ver quando ela soltava uma escarreta para os que iam sentados à frente dela. Mas a mulher já estava numa que não parava, suava, chiava, arquejava. Eu peço a um senhor muito distinto que ia sentado ao meu lado para lhe passar as minhas drageias"Fisherman's Friend", para ver se a mulher refrescava a garganta e parava de tossir. Ele lá se esticou a oferecer e do lado de lá só faltou atirarem-nos coisas e insultar!
Eu fiquei pasmada a olhar para o senhor. Ele explicou que ela não podia. Eu repliquei que era só para lhe acalmar a tosse. Ele respondeu que não adiantava. Eu perguntei porquê, já que não era remédio. Ele fez um gesto de que ela tossia por ter obesidade mórbida e disse que ele conhecia aquelas pastilhas porque andava de barco e tambem as usava.
Eu disse que na Suiça seria inadmissível, já que alguem doente tinha logo assistência e ficava em casa para não contaminar ninguem... a conversa continuou de forma agradável (e eu já nem ouvia a maldita tosse da matrona), fiquei mesmo a saber como se ajudava alguem com uma espinha na garganta e quando cheguei à minha paragem só me apeteceu continuar a conversa até ao fim da linha.
Saí a contragosto.
Vejo o autocarro na paragem e vou a correr para o apanhar. O bezerro do condutor mal me vê, arranca a toda a brida e pára nos semáforos. Lá vou eu a correr para os semáforos para ele me abrir a porta. Foi mesmo má-vontade!!! Fez-me o gesto da paragem e que não abria. Pois eu só não apanhei o autocarro porque ele não deixou. (e a lele só faltou mostrar-me o dedo do meio!)
Apanho o eléctrico a seguir. Transporte cheio de africanos e vem-me logo ao pensamento coisas menos políticamente correctas. Eu ia sentada ao pé da porta e um mulatinho, ao colo da mãe, brincava no vidro com os deditos. Eu costumo brincar com as mãos e dedos do meu filhote e fiz-lhe o mesmo. A mãe sorria encantada e eu expliquei-lhe que tinha um filho da mesma idade e que mãozinhas daquele tamanho são adoráveis.
Custa muito ser simpático e bem-educado, tratar as outras pessoas como seres-humanos e não apenas pedaços de carne a caminho do matadouro?

Se houvesse anjos na terra (e eu acredito que os haja mas não na acepção religiosa do termo), e se andassem nos transportes públicos, de certeza que gostariam de voltar para as suas esferas etéreas.